quinta-feira, 24 de abril de 2008

Alaska Blues

A terra tremia aqui embaixo e eu voando lá em cima.
Ainda não sei como farei para contar os últimos dias do Alaska.
Tenho um monte de fotos para blogar.
Mas cadê tempo ?
Aos poucos pretendo ir postando as histórias.
O Mac Halibut que inventamos em Anchorage.
O Starbucks de Seattle.
E como fazer zilhares de coisas em apenas duas horas e meia em Nova Iorque.

Hoje, não sei se foi o banzo do gelo ou o blues do frio mas bateu uma puta vontade de reler o que escrevi sobre o Alaska ano passado.
Foram textos publicados na coluna que mantive durante um tempo no site da Mauren Motta.
Dividi a viagem em capítulos.
Mas nunca passei do terceiro.
Com isso abandonei meu mais fiel leitor.
O pai da Mauren.
Foi uma vergonha.
Imagine se propor a blogar uma viagem ao Alaska e a série nunca chegar lá.
Pois foi o que aconteceu.
Um pouco assim como agora quando o tempo que tem outro tempo me impediu de blogar os últimos dias abaixo de zero.
Mas como os amigos já sabem, linear eu nunca fui [rs].
Por isso com vocês alguns trechinhos da viagem do ano passado à mesma e incrível Barrow.

UMA CARIOCA NO ALASKA [MAIO / 2007]

Capítulo 1 – GRU => Miami => Dallas

Em falta com o site desde janeiro, prometo a Mauren que vou blogar do Alaska.
Não sei se vou conseguir manter a promessa.
Viagens, no meu caso, têm sempre um mood imprevisível.
Ás vezes sou metódica e consigo digerir todas as infos.
Ás vezes entro num modus operandi letárgico que me tira toda e qualquer disposição.
Mas aqui estou num vôo da American Airlines entre Miami e Dallas.
Lá embaixo vejo uma Miami como nunca vi antes, sem sand beaches nem keys, e esparsas palm trees.
É, virando à esquerda, Miami tem mesmo outra cara.
Depois de alguns condos & pools, uma salina, e depois só fazendas e fazendas, Alabama, talvez, e finalmente o azul do Golfo.
Ao meu lado dorme um carinha, acho que israelense.
Tem toda a cara, bermuda cargo desfiada e Birkenstock nos pés, de quem está dando uma voltinha pelo mundo antes de cumprir com suas obrigações perante a sociedade.
Dorme pesado o viajante israelense.
Assim que o piloto libera, me levanto pra ir ao banheiro mas quem disse que consigo acordar o cara pra pedir licença.
Chamo baixinho, chamo mais alto, bato com jeitinho na perna dele, cutuco o ombro já com um pouco de força e tudo que consigo é virar atração nas poltronas ao redor.
Uns passageiros riem, outros desviam o olhar constrangidos, e apenas dois são simpáticos.
E o pior é que o cara não acorda mesmo.
Decido, então, pular por cima dele e, surpresa, um americano na meia-idade, gentilmente, estende a mão pra que eu consiga saltar o meio metro de pernas israelenses que me separa do corredor.
Surpresa mesmo.
Quem conhece bem os americanos sabe o quanto tocar em estranhos é difícil pra eles.
Eu nem precisava da mão amiga mas, acostumada ao excuuuse me e ao não-me-toque-em-hipótese-alguma new yorker, achei o gesto tão inesperadamente gentil que fiz questão de me apoiar nele.
Sei não, deve ser porque nesta viagem leio Tuesdays With Morrie.
Sim, eu leio Mitch Albom.
E gosto !
Amo The Five People You Meet in Heaven.
Aprendi a gostar de best-sellers sem desdém com minha amiga jornalista e chefinha brilhante, Denise Cunha.
Em Nova York, Denise me apresentou a Nicholas Sparks e passei a entender um pouco mais sobre o poder das histórias de amor.
Por isso é que hoje em dia entro sem a menor vergonha nas livrarias do saber e compro Mitch Albom sem um pingo de constrangimento.
Tuesdays With Morrie vendeu mais de 10 milhões de livros no mundo todo.
Desde 97 se manteve semanas e semanas best-seller do NYT.
No Brasil se chama A Última Grande Lição – O Sentido da Vida.
Pra ser sincera, gosto mais de The Five People mas leio Tuesdays com carinho.
Sim, lembra auto-ajuda.
Até porque no Brasil Albom é publicado pela Sextante.
Mas gosto do texto de frases curtas, sempre o lead, do jornalista Albom.
Nem ligo muito pro escândalo da coluna repetida.
Sou fã de autores de best-sellers.
Sempre quero saber como e onde é que eles fisgam o coração das pessoas.
E Mitch, com seu texto forjado no mundo de aço do esporte americano, me impressiona.
Tuesdays é sobre os ensinamentos de vida de um velho professor à beira da morte, Morrie.
Foi atração nacional americana em três programas do brilhante Ted Koppel à frente do saudoso Nightline, da ABC.
Não me identifico muito com Morrie, mas sim com as angústias do jovem aprendiz, o Albom em pessoa.
De qualquer forma, Morrie me cativa com a cultura da gentileza.
Deve ser por isso que achei tão estranho um americano me estender a mão.
Mas o engraçado mesmo foi ler Tuesdays na temida sala da imigração americana.
É que nesta viagem estreei na famosa salinha.
Fui levada pra lá com, diga-se a verdade, toda gentileza, por um agente do IRS, graças a dois vistos do Paquistão e um do governo talibã do Afeganistão num velho passaporte onde ainda persiste meu visa americano até 2010.
Sempre achei que um dia estes vistos islâmicos iam me causar problema.
Pois hoje causaram.
Estive nestes países a trabalho em 2000, quando o mundo ainda seguia outra lógica, diferente da pós 9/11.
Desde então sempre me espanta o fato de nunca ter sido parada na imigração americana.
Sim porque, pra completar, no mesmo passaporte tenho ainda vistos do Quênia e da Tanzânia, países onde Bin Laden explodiu embaixadas americanas e eu fui a passeio, subir o Kilimanjaro.
E vai explicar tudo isso pra um oficial cuja função diária é desconfiar.
Até então da tal salinha só tinha o relato de dois amigos, Aninha Kessler, colunista aqui do site, e do Lobo, um brasileiro querido com a alma e a vida divididas entre EUA e Brasília.
Mas, confesso, a experiência não foi nada demais.
Ninguém foi grosseiro, muito pelo contrário.
O jovem oficial que analisou meu passaporte parecia até constrangido em desconfiar de uma moça tão distinta quanto eu.
Sim, porque quando viajo sou educadíssima.
Estando em terra dos outros, faço questão de obedecer regras sem reclamação ou deboche.
Acho deselegante e o cúmulo do provincianismo.
O tal oficial me pareceu até sinceramente aliviado quando, ao me pedir algo que provasse que sou jornalista, mostrei meu crachá de trabalho.
Mesmo assim, jornalista ou não, me conduziu à tal salinha, onde ouvi meu black Ipod e li Tuesdays, sem stress.
Depois de uma meia hora de espera, fui liberada.
Nas palavras de outro oficial, desta vez um hispânico, ‘no suspect evidences agains me.
Que bom !
Fico feliz dos americanos não considerarem suspeita uma jornalista latina cheia de vistos no passaporte.
Me perguntaram se eu já tinha sido detida antes por causa dos vistos.
Tinha sido não.
E olha que quando viajei logo após o 11 de setembro com esse mesmo passaporte carimbado, achei que a imigração de Houston ia me criar problemas.
Puro preconceito contra os texanos.
Segui em dezembro de 2001 para um divertidíssimo reveillon na Califórnia, tendo apenas, como todo mundo, que tirar o sapato.
Em Nova York também, onde estive inúmeras vezes com esse mesmo documento, nunca me pararam.
Primeira vez em Miami.
Não consigo deixar de pensar que os agente de Miami não são tão acostumados a jornalistas globe-trotters como a rapaziada descolada do JFK, onde passaporte carimbado de visto com letras esquisitas é tomate.
Preconceito ?
Humm … talvez.
Miami é diferente mesmo.
Pra começar na cor dos cabelos das brasileiras que se fazem habituée por lá.
Reparei isso no avião.
Todas as brasileiras com ar de ‘sou tão Miami’ estavam com o cabelo da mesma cor, um louro abeeerto, que grita ‘sou loura’.
Não sei explicar mas é um louro diferente do Louro-Daslu, do Louro-Mauro Freire ou do Louro-NY.
É o Louro-Miami (rs).
Algumas, claro, não fugiam ao clichê ‘emergente-grosseria’.
Uma até sacudiu uma bolsa na minha cara.
Bom, enfim, cada um tem as louras que merece.
Porque, no vôo, enquanto eu observava as nuances dos cabelos das mulheres na classe econômica, na primeira classe, principescamente instalado, Ibook no colo, ia outro amigo pra lá de querido, Zeca Camargo.
Adoro o Zeca.
Somos amigos de plantões Fantásticos, quando, entre as mazelas brasileiras de domingo, falávamos sobre o fato de Palau não ficar na Bahia e dividíamos o sonho de um dia conhecer o Yemen.
Zeca é globe-trotter profissional, amigo capaz de rir horas junto com você dissertando sobre a beleza – e a falta dela também – das aeromoças iemenitas que víamos nos guias de viagem.
Talvez, por isso, a única coisa que tenha me deixado chateada em ficar com passaporte confiscado na famigerada salinha da imigração foi não poder ficar mais tempo jogando conversa fora com o Zeca, que tinha conexão pra Chicago.
Liberada, lá vou eu fazer hora no Terminal D.
Alívio, o aeroporto de Miami, pelo menos nessa área, não tem mais aquela decoração roxa.
Quem foi a Disney nos anos 80, talvez se lembre.
Não sei se foi porque foi minha primeira viagem internacional, aos 14 anos, mas o roxo que até então o Miami Intl Airport exibia nos carpetes me traumatizou.
Sempre lembrava dele como o aeroporto mais brega do mundo.
Bom, injustiça, talvez.
Fato é que voltei a Miami algumas vezes.
Cheguei até a pegar um furacão, o Irene, quando fiquei sem comida, com quarto inundado e sessão de Imax esvaziada pela Defesa Civil.
Mas nada me traumatizou mais do que um aeroporto roxo, todo roxo.
Thanks Lord, passou.
Ainda há banheiros cor-de-rosa.
Mas é um cor-de-rosa clarinho.
Nada Barbie.
Só que não consigo deixar de pensar em quanto Miami é diferente ao procurar bagel pra um café-da-manhã de reforço.
Acostumada às bagels new yorkers, não consigo não estranhar as bagels de Miami.
Uma Asia Bacon Sunrise com eggs, bacon e swiss cheese não me lembra bagel.
Muito menos a Miami Surprise Sunrise com egg, bacon, sausage with american cheese.
Não acho graça e me bate uma enorme saudade da minha bagel de sempre, a raisins bagel, da Barnes & Noble do Lincoln Center.
É sempre assim.
Quanto mais viajo pelos Estados Unidos, mais sinto saudade de Nova York.
Sem a menor vontade de comer bacon numa bagel, decido, meio sem saco, enfrentar a maior de todas as filas, a do Starbucks.
Olho pra todos aqueles nomes que conheço tão bem e cada um me lembra um amigo.
Pecan pie me lembra o Lobo.
Bagel me lembra a Mariana Lemann, o David e a Heloísa Villela, a quem até hoje devo uma explicação convincente do por que pra mim bagel é feminina. Um dia acho, Helô !
Crumble me lembra outra Mariana, a gauchíssima Becker, minha amiga crumble-maker !
Pra beber, um tall latte, meu café favorito no Suplicy, no Lincoln Center ou na caliente Miami.
Latte me lembra novamente a Denise Cunha, que sempre me encomendava um latte cheio de exigências tipo mocca, skin-milk etc na Third Avenue.
É, acho que até o Alaska ainda vou lembrar muito de muita coisa.
Ainda tenho uma hora pela frente no ar até Dallas.
De lá cinco horas de conexão e rumo a Anchorage.
Amanhã sigo pra Barrow, onde vou a trabalho, mas com um objetivo pessoal.
Aprender como se resgata o passado sem deixá-lo pra trás e seguir em frente de modo diferente – e feliz.
Um beijo a todos,
Guta

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