sábado, 26 de abril de 2008

História Sem Fim

Para terminar, o último capítulo escrito da série que acabou ficando apenas uma trilogia.
Quem sabe um dia eu termino de escrevê-la.
Até porque como vocês vão reparar, a série, que era para contar uma viagem ao Alaska, acabou justamente quando eu finalmente ia desembarcar em Anchorage.
Tsk, tsk, tsk.
Fiasco total.
Mas um dia eu retomo.
Assim como espero retornar ao fim de Barrow deste ano.
Preciso contar o dia em que saímos correndo atrás de um urso no meio da cidade.
Coisas do North Slope.


UMA CARIOCA NO ALASKA [MAIO / 2007]
Capítulo 3 => DALLAS => ANCHORAGE


Se um dia você desembarcar num aeroporto do tamanho de Manhattan, seja bem vindo, você chegou a Dallas.
Sempre acho que aeroportos têm personalidade.
Deve ser coisa de quem viaja muito.
Sou capaz de ficar horas falando sobre o de Bangkok, sobre o meu favorito, o de Dubai , o de Maldivas, Heathrow e muitos outros.
Mas o de Dallas me impressiona pelo Skylink.
Skylink é o maior skytrain de aeroporto do mundo.
Na prática, um mini e lento trenzinho à la Epcot Center que percorre os terminais (A-B-C-D-E) por cima deles.
Leva um tempo dar uma volta inteira e eu, desconhecendo o tamanho do aeroporto, quase me atraso para o vôo que me levará de Dallas a Anchorage, no Alaska.
Quando finalmente chego ao portão de embarque do vôo inconscientemente começo a analisar quem serão meus companheiros de assentos.
Afinal, que tipo de gente vai pro Alaska ?
Primeira surpresa, pouquíssimos turistas.
Tudo bem que não é exatamente a alta temporada americana mas não vejo mochileiros, suíços, dinarmaqueses, finlandeses, suecos, os viajantes profissionais com quem sempre encontro nestes destinos ‘natureza selvagem’.
Meu vôo – lotado - é composto basicamente por gente com cara de quem mora ou tem parente em Anchorage, que muita gente acha que é a capital do Alaska, mas é apenas a maior cidade do estado.
Pra gente ir logo entendendo que tipo de lugar é o Alaska, informo:
O estado inteiro – maior que 18 países – tem uns 600 mil habitantes. E Anchorage reúne uns 300 mil.
O resto é puro wilderness.

Pois eis que, de repente, aparece no lounge de embarque um militar de uniforme camuflado.
Logo surgem dois, opa, mais um, outro, e quando vejo estou rodeada por uma tropa.
Devem ser, penso eu, militares rumo à alguma base que os americanos devem manter vigiando o vai-e-vem no Estreito de Bering, prática-resquício da distante Guerra Fria.
Mas algumas coisas nos soldados me chamam atenção.
Primeiro as botas.
Uau, que botas incríveis, aflora meu lado fashionista.
São bege clarinho, de uma cor que eu jamais imaginei num uniforme militar, muito menos americano.
Lindas, taí, iam fazer sucesso na São Paulo Fashion Week como talento expresso de algum estilista moderno tentando - como numa recente edição - misturar duas coisas distintas, como África e o movimento punk. Socorro.
Depois das botas – que realmente adorei – presto atenção num ursinho, aqueles bem teddy bear, confortavelmente encaixado num bolso de rede à mostra na mochila que vai às costas de um soldado.
Acho fofo.
Cai a ficha que soldados também têm coração.
Presente da namorada ou de alguma irmã caçula, imagino.
E, entre ursinhos e botas, o mais curioso: a cor do uniforme.
Pela primeira vez vi um uniforme camuflado tão claro.
Não há verde nele como nos nossos uniformes brazucas de selva.
Seriam os camuflados americanos diferentes ?
Hum, acho que não, corrijo o pensamento.
Camuflado bege com manchinhas cinzas não duraria um dia sequer no punk Vietnã.
Começo, então, a perceber que o Alaska tem cores diferentes do resto do mundo.
Seria clara pra se disfarçar na neve ou quem sabe na tundra ?
É que a essa altura da viagem eu ainda não conhecia as cores do círculo polar, o que só se pode saber, acreditem-me, depois de botar os pés lá.

O vôo é tranquilo.
Saindo de Dallas, vejo pela última vez os prédios de aço, depois fazendas, os grandes campos americanos, matematica e cartesianamente rasgados no chão.
Ao sobrevoarmos o Canadá, a aeromoça faz uma piadinha e diz que teremos que apresentar nosso passaporte.
E não é que eu quase caio ?
Sei lá, pós 9/11 não acho mais nada absurdo na segurança de vôos e aeroportos.
Muito menos alguém pedir passaporte em pleno espaço aéreo.

Do Canadá em diante fico mesmerizada com a paisagem.
E a neve.
Gosto de neve.
A primeira vez que vi, por incrível que pareça, foi no norte da Flórida, em Gainesville.
Uma neve ralinha que se dissolvia ao cair nas calçadas cinzas.
Neve pesada mesmo só fui ver muitos anos depois no Monte Everest, o qual decidi conhecer graças a um jornalista, Jon Krakauer, autor de um dos livros que mais me influenciaram na hora de contar uma história, Into Thin Air.
Quem já leu algum livro do Krakauer sabe bem.
Pois foi graças ao jornalista-escritor que passei a conhecer e, mais tarde, amar o gelo.
Movida pela curisosidade de entender um mundo à parte da minha realidade globetrotter de paraísos tropicais, em maio de 98, fiz um trekking até o acampamento-base do Everest.
Lá fiquei cara-a-cara com uma das paisagens mais incríveis que alguém pode observar.
A geleira do Khumbu.
A 5.200m – após ter subido os 5.600m do Khala Patar no dia anterior – eu estava debilitada o suficiente pra não conseguir chegar até os gigantescos blocos de gelo.
Acima de 5000m o ar é pra lá de rarefeito.
Só temos 50% do oxigênio que temos aqui embaixo pra respirar.
A letargia é permanente.
A percepção completamente alterada.
Mas não esqueço nunca o que vi.
O glaciar é lindo.
Atravessá-lo inesquecível.
E olhar a geleira deixa alguma coisa gravada entre a retina e a alma.
Depois do Khumbu, continuei, ao longo dos anos, chegando perto do gelo.
Subi o Kilimanjaro, desembarquei de salto alto – juro – no Athabasca Glacier canadense, sobrevoei as Dolomitas, na Europa, a caminho de Veneza.
E - isso também deve contar ponto - encarei nevascas em Nova York de deixar a Broadway silenciosa.
Pois é, mas, ainda assim, com todo esse currículo de carioca no gelo, confesso, não estava preparada para o Alaska.
Um beijo,
Guta

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