Sempre blogo aqui no Migrante posts sobre furacões.
Deve ser porque na vida globe trotter acabei topando com alguns mundo afora.
Sem falar no Katrina, o qual cobrimos aqui no Brasil falando diariamente com brasileiros por lá.
Também houve um furacão que, inesperadamente, um dia ousou se aproximar de Nova Iorque quando eu morava lá.
Ficamos esperando por ele em Rockaway Beach.
Sim.
A mesma praia da música dos Ramones.
Mas, thanks Lord, ele nunca passou de tempestade tropical.
Furacões ou ciclones [para quem passa por um a diferença científica, na prática, não importa muito], apesar do tom bem-humorado com o qual eu vou contar meu relato aqui, não têm a menor graça.
Meu primeiro foi no Pacífico.
Gavin era o seu nome.
Eu estava na Nova Zelândia, numa viagem a caminho das ilhas Fiji.
E o Gavin vinha exatamente na direção contrária.
Por sorte, eu e o olho do Gavin nos desencontramos.
Eu estava em terra, no norte da Nova Zelândia, e ele passou no mar.
Quando cheguei à Fiji ele já havia passado em terra.
Minha distância a ele ficou sempre em 200km.
Foi de bom tamanho.
A tempestade, o vento, e as ondas gigantes batendo no pier, já foram suficientes para eu não desejar vontade nenhuma de ficar mais perto.
Furacões, eu insisto não têm a menor graça.
Passada a tormenta acabei comprando uma camiseta onde se lia:
I SURVIVED GAVIN.
Quem viaja muito pelo mundo já deve ter dado de cara com alguma t-shirt dessa natureza.
É uma espécie de piadinha internacional.
Toda vez que um furacão ou ciclone passa por um lugar, imediatamente, surgem nas ruas e lojicas baratinhas camisetas escritas "Eu sobrevivi ao Fulano".
É praxe.
Os turistas adoram levar uma para casa.
Até hoje, 11 anos depois, tenho a camiseta, enfurnada no armário, junto com aquelas coisas que você só tem coragem de usar para dormir.
Para mim, o Gavin foi uma curiosidade.
Por causa dele, mergulhando em Fiji, pude ver uma cena que jamais havia visto em anos e anos e centenas de mergulho de garrafa.
Como fica o fundo do mar após a passagem de um furacão.
Igualzinho ao continente.
Devastado.
Corais mortos, destroçados como árvores derrubadas pela força dos ventos em terra.
Tudo meio empoeirado por causa das partículas em suspensão na água.
Os peixinhos meio tontos pra lá e pra cá sem seus corais-abrigo.
Desolador.
Enquanto o fundo do mar se recuperava, em cima até que as coisas não iam tão mal.
Com medo do Gavin, na última hora, vários passageiros desistiram da viagem no navio em que eu estava.
Resultado, mais mordomia para quem se arriscou.
Recebemos upgrade de cabine e tratamento VIP da tripulação, já que não havia mesmo muita gente para paparicar.
Ou seja, o Gavin só me trouxe história simpática para contar.
Já o Irene, dois anos depois, não foi tão engraçado assim.
Eu morava em Nova Iorque e ia para Belize mergulhar.
Um problema de visto nos fez parar, por um dia, em Miami.
Perdemos o vôo e tivemos que dormir na cidade.
Começou a confusão.
Exatamente neste dia, com a aproximação do Irene, os vôos foram suspensos.
E todo mundo ficou em terra refém.
No começo ninguém levou muita fé no tal furacão.
Até Irene começar a ganhar força e mais força.
Para vocês terem uma idéia eu estava dentro de um cinema IMAX, assistindo a um filme, quando a sessão foi interrompida, as luzes acesas, e oficiais da Defesa Civil entraram anunciando que era para todo mundo sair.
Os ônibus, a partir daquele momento, eram gratuitos e todos deviam ir para suas casas.
Nessa hora, a Defesa Civil de Miami dá show.
Tudo organizado, eficiente.
A população, acostumada a essas situações, age sem desespero, todo mundo saindo dos prédios com tranquilidade.
O único problema era que eu estava do outro lado, muito do outro lado da cidade, em relação ao meu hotel.
E para chegar lá tinha que passar por todas aquelas pontes.
Só que conforme o Irene ia se aproximando, a água do mar, que corta a cidade em canais, começou a subir.
E as pontes iam sendo interditadas já que a água, a essa altura, estava quase mais alta que elas, prestes a engolfar as pistas.
Ponte fechada, não há quem passe.
Por sorte, por questão de minutos, conseguimos embarcar no último ônibus que foi autorizado a seguir para o bairro do nosso hotel.
Ufa, pensei eu.
Por pouco.
Bom, agora é só chegar no hotel, ligar a tv, comer algo, porque a essa altura eu já estava faminta, tinha deixado para comer depois do cinema, e ... esperar o Irene passar.
Até parece que você faz o que quer durante um furacão.
Quando finalmente, encharcadas de chuva, açoitadas por ventos e rajadas, eu e a minha amiga conseguimos chegar ao hotel [depois, claro, de andar um taco e tanto porque os ônibus nessas horas fazem trajetos retos para que todo mundo chegue o mais rápido possível], cadê a luz ?
O Irene já tinha conseguido deixar boa parte de Miami em blackout .
Sem luz, sem comida.
A cozinha fora fechada.
Os funcionários do hotel há muito já tinham se dirigido para suas devidas casas, cuidar de suas devidas famílias.
E a vontade de saquear aquelas máquinas de biscoito e coca-cola que ficam nos corredores do hotel ?
Sem selvageria, pensei eu.
Não é o fim do mundo ficar uma tarde e uma noite sem comer.
Sem mais o que fazer, decidimos ir pro quarto dormir.
Às cinco da tarde.
É.
Não há muito o que fazer durante a passagem de um furacão.
Só não é entediante porque a quantidade de pensamentos ruins que passam pela sua cabeça não deixa você sentir tédio.
Imagine ter que deitar às cinco da tarde, tentar dormir com fome e só ficar ouvindo rajadas de 170 km/h na sua janela ?
Primeiro parece que o teto vai voar e você vai ficar que nem desenho animado, destelhado, só você na sua cama enquanto tudo ao seu redor voa.
Depois você não consegue pregar o olho porque mesmo descartando o vôo do telhado, pelo barulho, você tem certeza de que a sua janela vai se estilhaçar nos próximos dois segundos.
Não há vidro blindado, você assegura nesses momentos, que seja capaz de resistir àquela força e aquele barulho.
E sem tevê, nem internet, nem informação.
Você não sabe se o furacão já passou, se vai passar, se alguém morreu, se está vindo na sua direção.
Acreditem.
Furacões não têm graça alguma.
Quando finalmente você, provavelmente exausto pelo medo, pelo barulho, pela ansiedade e pela fome, consegue pegar no sono é um alívio.
Até que a próxima rajada, estrondo, barulho de árvore caindo a poucos metros de você, te acorde.
E assim segue a noite.
Chuva no teto, estrondo, rajada.
Você acorda.
Dorme.
Rajada, estrondo, chuva no teto.
Você acorda.
Até que em algum momento acaba.
Passa.
Aí o que você faz ?
Feliz da vida você acorda e antes mesmo de abrir o olho já sabe pelo silêncio que o furacão passou.
Você respira fundo de alívio, e se estica para fora das cobertas, ainda moído da noite mal dormida.
Os mais empolgados jogam o lençol para o lado e abrem os olhos para ver a luz do dia entrar pela fresta da janela que você vedou de tudo que é jeito na noite anterior.
Cena de filme, não ?
Sim.
Até você, saltitante e animado, aliviado pelo fim do pesadelo, pular fora da cama.
E pof !
Água até o meio das canelas.
Sim.
Pof, pof, pof.
E tudo que você deixou no chão, sapato, meia, livro, boiando quarto afora.
Sim, em hotéis de bangalôs, os furacões têm o hábito de inundar seu quarto.
E aí você olha ansiosamente para ver onde deixou a mala.
Ufa.
Em cima daquela mesinha que eles deixam ali para isso mesmo.
Ah, que bom, não ficou nenhuma bolsa pelo chão.
Porque tudo que um dia esteve no chão, agora bóia.
É por isso que eu insisto.
Furacões não têm a menor graça.
sábado, 30 de agosto de 2008
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